sábado, 16 de julho de 2011

sistema de saude



Volto dois anos depois, estou precisando escrever. Acho que mais prá desabafar. Fiquei puta por não ter conseguido fazer as tomografias que diriam se meus tratamentos desde o ano passado tiveram resultado. Por ter que esperar mais tempo prá saber se estou curada, livre, ou se continuo prisioneira da medicina, dos veredictos da saúde. Tudo por conta de muita imbecilidade burocrática. Provavelmente misturada com uma grande dose de má fé, que se não é de hoje, deve no mínimo ter presidido a escolha dos caminhos que chegaram até aqui.




Marquei meus exames com antecedência, prá ter a chance de pelo menos alguns dias de férias em paz. Durante a semana me ligam no mínimo três vezes do Laboratório prá confirmar se eu faria mesmo os exames, me fazendo a cada vez repetir todos os meus dados, pois eles não podem ou não querem correr o risco de ter um horário ocioso. O tempo deles é muito precioso. E tempo é dinheiro, e como sabemos, "money makes the world.." Aparentemente, tudo ok.




Chego no local dos exames exatamente no dia e horário agendados e qual não é minha surpresa quando a atendente diz que a Seguradora de Saúde não autorizava a realização dos exames. Porque "havia um problema com a minha empresa". Ligo para o RH da Faculdade, que diz que está tudo certo da parte deles. Mas a atendente da Seguradora não se convence e diz que a autorização está negada. Fico furiosa, tento argumentar, mas não tem jeito. Peço então uma declaração por escrito da supervisora do Laboratório contando o que aconteceu e vou para casa, com muita raiva por ter perdido todo um dia com essa história.




Decidida a não deixar a peteca cair (quero um pouco de férias, quero saber logo se vou ter pelo menos uma trégua depois de um ano de batalha.....) , ligo para um outro Laboratório para marcar os mesmos exames e fico feliz por saber que seria possível realizá-los no dia seguinte. Mas com a pulga atrás da orelha, ligo também para a Seguradora para saber se desta vez não haveria problema. A atendente então me diz que havia sido emitida uma senha de autorização para dois dos quatro exames que eu havia solicitado e que eu só poderia fazê-los em outro lugar se essa senha fosse cancelada. Que o sistema havia bloqueado o pedido total, mas que dois exames tinham sido autorizados (quando? depois que fui embora do Laboratório?). Com toda inocência peço então para ela cancelá-la e ela diz que é impossível, que só quem pode fazer isso é o próprio Laboratório para quem a senha foi emitida. As coisas começam a cheirar mal, mas ainda assim não desisto. Ligo para a central do Laboratório, explico a situação e peço para que a senha seja cancelada. A menina me diz que ela não pode fazer isso, que esse procedimento só poderia ser desencadeado pela própria Unidade que teria realizado os exames. Solicito então que transfira a ligação para a tal Unidade, mas ela diz que não dá, pois eles não têm telefone para contato externo. Bom, a essa altura eu começo a querer rodar a baiana e já sem paciência exijo que eles resolvam a situação. A atendente me transfere então para o Serviço de Atendimento ao Cliente, o serviço de "reclamações". Claro que tudo isso esperando a cada vez que o sistema vomite obsessivamente todo o menu do "tecle 1 para... tecle 2 para... tecle 3 para..." ladainha ainda mais insuportável por ser intercalada por uma série de musiquinhas terríveis, que parecem terem sido encomendadas de propósito para testar a paciência do freguês. No SAC me informam que a senha tinha sido gerada por um tal de programa "Horizon" a que eles não têm acesso, mas que iriam mandar um e-mail para a Unidade onde eu tinha comparecido pedindo que eles solicitassem o cancelamento da senha. Que eu ligasse novamente por volta das 18:00 hs para a Central do Seguro Saúde para verificar se o cancelamento tinha ocorrido. O que eu fiz, apenas para saber que apesar do e-mail ter sido mandado, ainda nenhuma providência tinha sido tomada. Tinindo de raiva, insisto que eles precisam fazer alguma coisa e a menina me responde que ela não pode me dizer qualquer coisa só por ser o que "a senhora quer ouvir". "O quê, então agora parece que sou eu a louca que quer ouvir um absurdo qualquer só prá ficar contente por ter realizado um capricho? Não está certo querer jogar prá cima de mim a responsabilidade de um erro que foi vocês que cometeram"... Ela vê que eu não vou largar o osso e diz que vai falar com a supervisora prá saber o que fazer. Esta informa que eu poderia pedir uma transferência de autorização para o outro Laboratório, mas que isso levaria 24 horas, e que então o melhor que eu poderia fazer era me dirigir diretamente no dia seguinte para o outro Laboratório, "com uma hora de antecedência", pq assim eles ligariam para a Seguradora e resolveriam o problema. Que eu não me preocupasse que era certo que eu poderia fazer os exames. Juro que dormi em paz...




No dia seguinte vou com a tal da hora de antecedência para o novo Laboratório e toda a ciranda começa novamente a girar. Eu não poderia fazer os exames, a menos que o Laboratório do dia anterior cancelasse a senha. Se eu conseguisse resolver isso até as 16 horas e se "ainda estivesse de jejum" poderia voltar e fazer os exames. Pensei em desistir, mas lembrei das minhas férias, do meu desejo de saber logo o resultado de meus tratamentos e resolvi tomar um táxi e ir ao outro Laboratório tentar resolver pessoalmente a questão. Confesso que nesse momento já não tinha mais muita esperançade resolver as coisas nesse dia e que foi um tanto pela curiosidade de saber até que ponto uma história tão imbecil poderia se arrastar que decidi me deslocar até lá.





Chegando ao outro Laboratório digo que eles têm que cancelar a senha, pergunto porque não fizeram isso apesar do e-mail ("não sei, quem recebe os e-mails é a supervisora") mas quando a atendente liga para a Seguradora repetem a história: a senha tinha sido gerada no dia anterior pelo programa "Horizon" e agora só quem poderia fazer isso era o "Doctor Line", que funciona apenas de segunda a sexta feira. Rodo de novo a baiana, um rapaz dentre os atendentes tenta resolver a situação, mas acaba me dizendo que eles "não podem fazer nada".




Uma vantagem da idade é que a gente perde a vergonha de dar vexame e foi isso que eu fiz, dizendo que ia mobilizar o Procom, o programa do Datena e do Ratinho (ainda existe?), colocar toda a história na Internet, e se eu tinha agora que falar com o Bill Gates prá que ele desse a ordem para o programa funcionar, etc. Tudo isso não exatamente berrando, mas bastante alterada, fazendo questão de ser ouvida pelos outros pacientes (não eram muitos, mas serviam para figurar como público). O rapaz foi então chamar a supervisora (a mesma do dia anterior) que ligou novamente para a Seguradora e teve a história confirmada. O cancelamento da senha só poderia acontecer na segunda-feira seguinte, pois o "Doctor LIne" ficava inativo durante o fim de semana (lembro de ter perguntado sobre isso no dia anterior num dos telefonemas, sendo que me disseram que a Seguradora funcionava ininterruptamente 24 horas, sete dias por semana). Dessa vez a supervisora foi um tanto solidária, perguntou para a atendente do outro lado da linha o que ela devia fazer se "o paciente estivesse morrendo", disse que eu estava querendo chamar a polícia, mas o "não" foi irredutível. O sistema é irredutível. Bom, só me restava pedir outra declaração por escrito (só prá ter uma prova prá não me chamarem de louca, prá verem [quem?] que eu não estava inventando toda essa história, e também para o caso de eu querer realmente por a boca no trombone). A bem da verdade devo dizer que pela primeira vez ouvi um tímido pedido de desculpas da supervisora. Ela disse que iria me ligar (tirou uma fotocópia de meus documentos e pediu todos os meus números de telefone, mas eles já não tinham tudo isso?) informando com toda a candura que o cancelamento levaria de 24 a 48 horas, e só então eu poderia fazer os exames em outro lugar.




Os sistemas não pensam, são feitos apenas prá funcionar. Não sabem do tempo, não se alteram com as circunstâncias, não têm sentidos, nem coração. Prá eles só existem inputs, que é no que nos transformamos quando o destino decide que devemos alimentá-los.



Talvez chegue um dia em que a onipotência dos sistemas apague qualquer possibilidade de caminhos alternativos. Não parece que esse dia esteja muito longe. Mas por enquanto, por mais fechados, inflexíveis, impessoais e inalteráveis que sejam, os sistemas foram postos em ação por alguém ou por alguéns que decidiram que eles funcionariam de tal ou tal maneira. E por mais que os engenheiros ou informáticos que os criaram acreditem que estão agindo apenas segundo critérios totalmente objetivos, é evidente que o funcionamento dos sistemas e que decisões a respeito de seu funcionamento são presididos por interesses inegavelmente humanos e personalizados.




Empresas são feitas prá ganhar dinheiro, prá gerar lucro. A regra do jogo é essa, ok... Mas empresas que trabalham com saúde (seguradoras, laboratórios, clínicas) têm que conseguir sua parcela de lucro trabalhando a favor da saúde dos usuários, não contra ela. A onipotência dos sistemas não deveria se alimentar da total impotência dos pacientes. O funcionamento dos sistemas também têm que levar seus interresses em conta, ou essas empresas não têm justificativa para existir, nem para sustentar seu discurso mercadológico.








Espero que com tudo isso eu ainda consiga realizar meus exames, que os resultados sejam bons, que eu tenha alguns diazinhos de férias em paz e que nos próximos meses não precise viver em tanta promiscuidade com os sistemas de saúde. Salve!!!!